domingo, 6 de julho de 2014

AMOR, ROCK N´ROLL E DOR ( UM CONTO EM TRÊS PARTES)

PAIXÃO, ROCK N´ROLL E DOR. (UM CONTO EM TRÊS PARTES)

Conheci Carlos no nosso primeiro ano de faculdade : Eu estava em uma das turmas de Letras, e ele cursava Direito, seu projeto de vida desde o Ensino Médio.

Nos aproximamos quando ele me apresentou seu primo André, com quem saí durante um mês, até ele sumir sem deixar explicações. Não fiquei com raiva, fiquei com um novo amigo: Se antes Carlos... era só o primo gente boa de um cara gato que eu paquerava, em poucas semanas ele se tornou uma companhia indispensável.

E com nossas saídas aos fins de semana começaram as insinuações:

- Ah, mas vocês nuuunca?

- Se não aconteceu, Sandrinha, vai acontecer.

Como reagíamos? Simples, brindando as especulações com muita cerveja e tequila. E contrariando todas as previsões de que amizade entre homem e mulher não existe, mantivemos nosso relacionamento após nos formarmos.

Logo que deixei a faculdade consegui um emprego em uma grande rede de escolas de idiomas e Carlos e um grupo de colegas vinham batalhando um lugar ao sol, abrindo um escritório de advocacia juntos. Nossa vida amorosa? A minha havia começado um lindo capítulo chamado Rodolfo e a de Carlos, bem...

Ele dizia não estar disponível para nenhum relacionamento pois seu foco estava todo na carreira, que apenas começava. Nossos conhecidos, como sempre nos inundavam de perguntas, achismos:

-Tá vendo, ele sempre gostou de você!

Mas ele e Rodolfo acabaram tornando-se amigos ( de passarem o sábado a tarde no futebol) e eu não encontrava o mínimo sinal de que todas aquelas fofocas teriam sentido. Carlos estava longe de ser o tipo submisso e sempre mantinha alguns casos esporádicos.

Numa quarta feira em que Rodolfo estava viajando a trabalho o convidei para comer um hambúrguer . Eu sabia que ele havia passado o fim de semana em São Paulo com os rapazes do escritório. O que eu não imaginava era que ele teria uma novidade que me pegou de surpresa.

- Conheci alguém.

E para meu espanto, respondi rudemente. Juro, foi sem querer.

- Como assim? Em um fim de semana? Em uma noite?

Ignorando minha atitude explicou: Luciana era amiga de Cleiton, um de seus sócios. Cantora, estava se apresentando no bar onde eles passaram a noite de sábado. Uma conversa, vários sorrisos, algumas coisas em comuns e aconteceu : Passaram a noite juntos no apartamento dela. E meu amigo começou a semana apaixonado.

Mostrou-me uma foto: Luciana ao microfone, vestindo uma regata preta de cetim e calças de couro. Cabelos loiros,uma franja ao estilo pin-up , tinha no ombro uma linda rosa tatuada .Durante aqueles nossos sete anos de amizade eu havia conhecido quase todos os seus casos e ela tinha um estilo diferente. Deixei a estranheza de lado:

- Mas e aí, quando vou conhecê-la?

Se alguém me perguntasse agora eu não saberia definir o brilho em seu rosto anguloso. Ao ver meu amigo transparecer uma alegria tão radiante, capaz de cegar quem estivesse ao seu redor me dispus: ( afinal, amigos sempre foram para essas coisas)

- Vamos combinar então, e logo! Quero conhecer a responsável por esse sorriso.

Ao relembrar aquela quarta feira sinto raiva por não ter percebido que fui a primeira a ser cegada por aquela estranha e inesperada felicidade.

*

“Ah, cantoras e suas agendas atribuladas” justificava Carlos toda vez que perguntávamos quando finalmente ele nos apresentaria Luciana.

Em uma semana ela estava no Rio de Janeiro,na próxima em Santa Catarina. Perguntei incontáveis vezes quando ela tocaria de novo no bar onde eles se conheceram. Nossa cidade é perto de São Paulo e eu estava curiosa.

- A banda está ficando famosa. São Paulo não é mais prioridade.

Rodolfo me pedia para não pressionar, talvez ele quisesse dar mais um tempo até que eu, “sua melhor amiga”( título que para mim a essa altura já não fazia a mínima diferença)aprovasse o namoro. Carlos viajava toda semana para encontrá-la e nós nunca podíamos acompanhar. Nós, que sempre o apoiamos em seus tempos de solteiro fomos postos de lado.Enquanto meu namorado tentava lidar com a minha irritação, Carlos mudava cada vez mais. E se distanciava de mim.

- Mas Sandra, é normal. Começo de namoro, você já passou por isso- Até minha mãe estava a par da situação.

Não, eu não havia passado por isso : Nunca havia escondido nada daquele que era meu amigo e que em dois meses se tornou um completo estranho. A única coisa que parecia ser verdadeira era o sucesso que Luciana e sua banda estavam alcançando.

Era domingo, eu estava acabando com o último pote de Haagen-Dazs da geladeira de Rodrigo quando ele me chamou na sala:

- Amor, olha quem está na TV.

Reconheci os cabelos platinados, a tatuagem de rosa: Luciana se apresentava com sua banda em um programa de música independente. Me surpreendi com sua voz: Forte, rasgante, lembrava minha adolescência ao som de Alanis Morrissete. Liguei para Carlos.

Ele pareceu assustado quando contei que estava assistindo a sua namorada cantar. Incomodado, apenas me perguntou o que ela estava vestindo.

- Um vestido vermelho, de um ombro só. Lindo, aliás.

- Presente meu, agora preciso desligar. – E me deixou muda segurando o telefone.

Quase perdi o final da apresentação e Luciana com sua boca vermelho mate avisar:

“ Venham nos ver , tocaremos sábado em São José dos Campos”

Quase derrubei o pote de sorvete. Meu cérebro deu um estalo:

- Baby, temos programa para o fim de semana.

*

Melhor que esperar Luciana tocar na capital foi saber que seu próximo show seria na cidade onde moramos. Decidi não contar para Carlos que finalmente veria sua diva no palco.

Não o encontrei durante aquela semana : Luciana folgou e eles estavam em uma viagem romântica. Mas no sábado ele me chamou para correr e quando perguntei sobre a viagem abriu um sorriso tão absurdo que por um momento parecia que eles haviam se casado em Paris, tamanha era a felicidade.

- Incrível, a melhor. Estou cada vez mais apaixonado.

Aí fiz a minha última tentativa:

- Tá com medo de me apresentar e de que eu fale algo ruim a seu respeito?

Gaguejando, só me respondeu:

- Semana que vem a gente combina alguma coisa, prometo.

Não precisava prometer. Eu havia me cansado e partiria para a ação : Precisava conhecer Luciana ,saber quem era a mulher que estava causando a situação que me incomodava: De pessoa presente, alegre, leve, Carlos havia se tornado, seco, distante., cheio de segredos E para mim amor estava longe disso. Não queria odiá-la antes de conhece-la, mas confesso que estava ficando difícil.,

Rodolfo ainda tentou me dissuadir da ideia, mas eu estava com as respostas mais afiadas que meu salto quinze.

- Não adianta, vamos logo.

E fomos. Assim que entramos no bar, Rodolfo ficou pálido: Carlos já estava lá, em um mesa no ponto mais escuro do salão, perto do banheiro. Ao nos ver seu rosto mudou. Parecia traído, uma pessoa que eu nunca havia visto antes. Que tipo de reação foi aquela? Só não mais estranha que ver um furacão loiro vindo em nossa direção:. Luciana era realmente linda e parecia estar tomada por algum sentimento maligno, cheio de ódio:

- Vocês conhecem esse cara? Ótimo, tirem ele daqui já, ou chamo o segurança.

Carlos tentou se levantar sem falar nada, mas Luciana o agarrou pela manga da camisa. Gritava coisas que para mim soavam desconexas, mas que Rodolfo entendeu perfeitamente:

- Amor, eles não estão juntos.

O nervosismo dela era tão grande que pediu para que Rodolfo segurasse Carlos, que tentava fugir daquela cena estranha.

- Seu amigo é um psicopata! – E me entregou um desenho de seu rosto. Reconheci a assinatura: A letra de Carlos.

E começou a me contar coisas nas quais eu poderia levaria uma vida para acreditar:

Ela namorava e sem coragem para se aproximar Carlos começou a mostrar seu interesse da forma mais intimidadora possível: Aparecendo em todos os seus shows, mandando presentes caríssimos.

Ainda tentei ponderar:

- Mas você é uma artista, tem admiradores, é natural.

-Não quando o admirador começa a te perseguir, a criar uma realidade absurda com você.Ele chegou a me mandar e-mails dizendo que eu estava linda com as roupas que ele havia me dado de presente. Isso é normal?

Lembrei do vestido vermelho que só havia sido um presente na imaginação do meu amigo, e das viagens, os fins de semana que ele havia criado.

- Fins de semana?- Abriu seus e-mails pelo celular. Se eu tivesse algum problema do coração eu teria enfartado:

Sua caixa de entrada estava abarrotada de mensagens: Ele tinha criado uma realidade particular: A chamava de meu amor, dizia que ela estava linda com as roupas que ele havia dado, falava de uma viagem que eles iriam fazer em seu aniversário de namoro.

Luciana tremia, não sabia se podia confiar em mim, mas eu sabia que ela e Carlos precisavam de ajuda.

- Por favor, fala com ele. Me disseram para denunciar, mas o Cleiton é meu amigo e me prometeu fazer algo. Tô esperando até agora

Dei-lhe um abraço sincero e tentei acalmá-la. Mas o grito de Rodolfo tirou de mim qualquer possibilidade de uma atitude sensata.

- SANDRA, PELO AMOR DE DEUS!

Ele chorava, olhando para o meio da rua e um grupo de pessoas parecia não acreditar no que estava vendo. Era a cena que eu levarei mais que uma vida para esquecer:

O corpo de Carlos caído no asfalto , um carro parado , o motorista gritando ao telefone que tinha feito uma besteira. Era surreal ,pavoroso. E eu não entendi nada.

- Ele me pediu para pegar uma cerveja e disse que esperaria aqui fora. Só ouvi o carro, os gritos, o barulho. Meu Deus!

Poderíamos apelar a Deus, a todas as forças do universo que nada adiantaria : Eu sentia uma dor quebrando os meus ossos, me emudecendo, minhas forças deixando meu corpo. Luciana juntou-se a mim, os olhos vazios,sem saber o que dizer:

- Isso foi culpa minha.

Eu não conseguia culpá-la. Não sentia raiva. Eu só me castiguei, desde o primeiro momento: Carlos, você deveria ter falado comigo.

E até hoje, três anos depois me vejo em um mar de interrogações : Por que me escondeu? Por que tanto medo de se mostrar verdadeiramente para Luciana?Por que se jogar em frente a um carro? Do que ele teve vergonha?

Carlos, logo ele que era cheio de sonhos e segurança ( segurança essa que eu admirava e até invejava um pouco) foi pego em uma armadilha, não soube lidar com uma paixão e não teve coragem de pedir ajuda.

Rodolfo e eu nos casamos e toda vez que olho para nossa filha Helena sinto um desejo enorme de que Carlos a tivesse conhecido. Ele seria um ótimo padrinho, um tio incrível. Ela o conhece por fotos e quando as vê já fala com sua voz doce de uma criança de dois anos: Tio Cá.

Nunca mais soube de Luciana ou de sua banda. Ela esteve no funeral e ainda se sentia culpada pela atitude de Carlos naquela noite. Foi uma passagem rápida com um abraço e um pedido de desculpas. Não discuti, pois eu mesma ainda me sinto de alguma forma, responsável.

Falo com ele em minhas orações, talvez esperando alguma explicação divina para seu suicídio, para o trauma que insiste em nos deixar. Quando me pego nesses momentos tento pensar em seu rosto e achar conforto naquele sorriso que me acompanhou por tantos anos.Mas ainda é difícil.

E eu que até então adorava canções sobre amores intensos ao viver o meu próprio final trágico fui obrigada a crescer, a ver a vida de outra forma, a lidar com a dor para não sucumbir.
Quem cantaria Something ao telefone com uma voz horrorosa para me fazer rir? ( ele torturava a minha canção favorita, mas era impagável) ou dançaria aquela coreografia imbecil quando ouvisse Love Hurts?

Pena que nem George Harrison ou Nazareth me ensinaram a lidar com a saudade.
                                                                                                                 D.SConsiglio

Um comentário:

  1. aflição, angústia, suspense .... não dá pra prever o final. Muito bom <3

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